Engraçado, como costumo relacionar coisas a momentos que passaram, ou pessoas importantes. E minha relação com flores vem daí também...
Minha mãe ficou órfã muito cedo, então, minha única referência de avós que tive foi pelo lado do papai. Quando nasci, meu vô já tinha ido morar num outro plano, mas minha vó Corina sempre foi daquelas vovózinhas de historinha infantil. Tinha o cabelo feito tufos de algodão, bem branquinhos e macios, cheirava a flor e pra nos acalmar, tinha as melhores canções e histórias de ninar. Algumas coisas marcam pra sempre, e o que mais lembro, fora todo amor que ela nos deu, é do quarto dela, com uma cama daquelas bem antigas, com um dossel que sustentava cortinas sempre bem branquinhas. Depois veio a cama hospitalar, quando ela começou a ficar ruinzinha e já mal nos reconhecia. O quarto da minha vó, quando ainda estava forte e lúcida, cheirava a talco. Lembro de um altar, com uma imagem de Santo Antônio e uma de Santa Terezinha, por quem minha vó era muito devota. Em frente as imagens, sempre um lindo vaso com rosas amarelas, que eram cultivadas no jardim de casa.
A casa da vovó era enorme, pegava meio quarteirão, com um rico pátio, cercado de um jardim cheio de flores e árvores frutíferas. A roseira ficava a sombra de um pé de caqui, perto de um dos Ipês. Quase sempre que chegávamos lá, encontrávamos minha vó com um chapéu de palha, luvas e uma tesoura nas mãos, tratando de suas plantinhas. Era uma das maiores paixões dela e fazia aquilo com tanto amor e zelo, que a natureza retribuía com uma das obras primas mais lindas que já vi. Era a maior festa, cada vez que nos convidava pra ajuda-la, entregando um regador pra cada neta. Segurando nossas mãozinhas, nos guiava pra cavar um pequeno buraco na terra, onde largávamos novas sementes. Tinha também as vezes que varríamos o pátio, que no outono ficava tapadinho de folhas secas, ou com aquele tapete amarelo, das flores que caiam do Ipê. Outra paixão da vovó eram os pássaros. Tinha um cantinho só pra eles, com uma fonte de água fresquinha, onde volta e meia surgia um pardalzinho mais destemido. Na primavera, os sabiás cantavam e construíam os ninhos nas árvores e os beija- flores vinham bicar os bebedouros, com água doce. Era a coisa mais linda do mundo.
A dona Corina devotava o mesmo amor que tinha por pessoas, aos animais. Sempre abrigava gatinhos e cachorros abandonados, que faziam da casa dela uma festa ainda maior. No canil, tinha mais de 10 cãozinhos, fora os que andavam soltos pelo quintal. Os gatos, todos castrados, eram gordos e lustrosos, como diria minha tia. Pra onde se olhasse, tinha um dormindo o soninho dos justos, relaxadão. No inverno, em dias mais frios, vovó fazia um chocolate quente e sentávamos, as netas, uma de cada lado, no sofá da sala. Bem em frente a lareira, ouvíamos histórias de quando meu pai e minhas tias eram pequenos. Outras vezes, ela vinha com um baú, de tamanho mediano (lembro até hoje do cheiro forte da madeira), onde guardava as fotos antigas. Nos mostrava aquilo como se fosse um tesouro, contando cada momento que foto por foto representava. E os gatos, tudo na volta. Os mais abusados se aconchegavam em nossos colinhos, ganhando carinho, enquanto o Tuco, o xodó da minha vó, por ser o cão mais antigo na casa, deitava nos pés dela, como se quisesse dividir conosco aquele momento.
Minha vó era assim e vai ser pra sempre, em meu coração: uma mãezonha, que tinha como maior felicidade na vida se doar no ato de amar, sem olhar a quem. Foi com ela que aprendi muitas coisas. O gene, que traz todo esse amor que tenho por bichinhos, também é graças a ela. As lições de respeito e cuidado, com tudo aquilo que papai do céu nos oferece gratuitamente, também estão por aqui, em cada lembrança vivida ao lado desta grande mulher. Como eu disse pra minha amiga Pê (http://umcertouniverso.blogspot.com/), muita coisa ficou pra trás, como se estivessem congeladas, na época da minha infância. Onde eu não tinha medo de abelhas, nem aranhas , sapos ou gafanhotos. Nem de desbravar o rico jardim da vovó. Onde cada plantinha tinha um outro foco, minha visão percebia muito além dos olhos, pois aquilo tudo, aquela obra da natureza, era recebida com o olhar fantasioso e mágico, de uma menininha de 4, 5 anos. Muito disso se perdeu, quando vovó nos deixou. Levou com ela o lado mais doce daquela casa, daquele pedacinho de céu, bem no quintal. As pitangas já não eram mais tão vermelhas, nem as goiabas tão suculentas. O abacateiro já não parece tão imponente e robusto. As borboletas e os passarinhos já não são os mesmos...
Mas as rosas amarelas continuam lá, lutando contra o tempo, que teima em passar. Seguem bem abaixo da janela, do que um dia foi o quarto da vovó. Ainda exalam o mesmo perfume e colorem o velho jardim. Hoje são cuidadas pelas mãos da minha tia, mas parece que elas sabem que precisam ficar tão lindas quanto antes. Ainda perfumam e embelezam o altar da vovó. Porém, como uma ultima homenagem em agradecimento, são constantemente colidas e carregadas, com todo cuidado, pra perto da ultima morada da Dona Corina. Em cima de um gélido mármore, dentro de um vaso bonito, voltam pra junto de quem sempre as amou. E da minha parte, sempre que vejo flores amarelas, me transborda o coração de felicidade, por que me levam pra junto dela também. Me vejo pequena, com sorriso solto, sujinha de terra, brincando no jardim da minha amada avó. Que onde ela esteja, possa ter orgulho desta neta, que mesmo hoje uma medrosa de carteirinha, tem na sua essência tudo aquilo de mágico que aprendeu. Fico em paz, na certeza que um dia nos reencontraremos. E tenho uma desconfiança, que vais me esperar com rosas amarelas. Não é vovó?
A querida amiga Pê, um muito obrigada, do tamanho do mundo, pelo presente que recebi. Sabe, Pê, cada vez que leio tu descrever essa tua paixão, descubro outra grande mulher. Tenho maior orgulho de ti, minha Richard Rasmussen de saia... hahauhauhauhauhua
(foto da orquídea da Pê, peguei lá no UM CERTO UNIVERSO)
Obrigadão!!
Caroline
5 comentários:
Que linda sua história, lembrei das minhas avós, principalmente da materna, vó Maninha, com quem era mais apegada. Ambas estão em outro plano, mas dentro do meu coração.
Carol Carol Carol.
Que negócio é esse de "eu não mereço"? Mas nem vou escrever nada, afinal, esse seu artigo já prova o quanto merece.
Sabe, acredito muito na força das pessoas. Na força do Bem e na força do mal. Sim, todos nós temos. O equilíbrio é que é fundamental. É que forma quem somos.
Caramba, parece que estive com vc, naquele tempo, naquele lugar lindo e mágico.
E como é bom ouvir histórias verídicas de relações amorosas e queridas. Principalmente hoje em dia que ouvimos tantas histórias de famílias degradadas e violentas.
Somos privilegiadas guria. Temos boas histórias para contar e dividir.
E agora, ainda mais agora, tenho certeza que és uma garota delicada e linda, que florece em nossas vidas.
Ah, e que sincronismo! Eu adoro o Richard, a ponto de ter um álbum de fotos no orkut só dessas coisas, onde eu descrevo: "meu lado Richard Rasmussen"! ahahahahah
Que linda história, me fez lembrar mto da minha avó.
Bjs
Linda história mesmo, pena eu não ter tido a oportunidade de conviver muito com meus avós, mas do pouco que lembro tenho saudades... Com certeza ficou o aprendizado!!
Beijos!!
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