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terça-feira, 28 de outubro de 2008

Senta, que lá vem história...

No amor ou na dor, não importa, a vida sempre ensina. Aí vai de cada um, o tempo que se leva, pra “capitar” a mensagem... Qdo a gente se depara com um “pepinão”, aqueles problemas que aparecem do nada, nos acordando pra vida, sempre paramos pra pensar. Passa aquele filme, quase que em câmera lenta, com destaque pra dois momentos: os que nos arrependemos e os que fomos felizes. A verdade é que, até pouco tempo atrás, nunca havia me preocupado muito com saúde, pois pensava, na minha ignorância, que jamais fosse precisar. Vai ver achei que fosse imortal...

Sempre tive uma vida meio complicada, perdi meu pai cedo e de um jeito que não desejo a ninguém, não. Ele trabalhou a vida toda, e machista que era, dizia que lugar de mãe era em casa, cuidando da educação dos filhos. A obrigação do pai, era a financeira e ponto final. Mamãe, que era enfermeira, largou tudo e ficou em casa,cuidando de mim e minha mana. Para ele, o mais importante era o financeiro e trabalhava pra que não nos faltasse nada. Do outro lado, tinha a dona Vanda, que perdeu a mãe cedo e foi adotada com 2 anos. Quando ficou um pouco maiorzinha, a colocaram pra ser empregada dessa família e ela cresceu assim. Estudou, se formou, tudo com dificuldade. Depois conheceu meu pai, casou em seguida, pq não via a hora de ter uma família de verdade. Ela é uma mãezona, sem igual e sempre diz que a família que ela não teve, ganhou conosco, quando nascemos. Então acho que da pra imaginar, como nem somos mimadas, né?! hehehe

Minha mãe tentava insistir, mostrar ao meu pai os valores que ela buscava, tê -lo mais presente e não só o "supridor de grana", daquele lar. Nada adiantou, cada vez papai trabalhava mais e continuava ausente. Naqueles singelos momentos diários, de desenvolvimento, estava sempre distante. Por ser autônomo, não tirava férias nunca. Nós íamos pra casa da praia, de dezembro a março e ele parava só nos finais de semana. Com o tempo ele mudou, ficou diferente. Hoje sei que não é bem isso... A verdade é que uma hora temos que crescer, sair do "faz de conta", bater de frente com a realidade. Ele nunca bebeu, não lembro bem quando começou, mas quando a gente viu, estava agressivo, era um estranho dentro de casa. Foram dias bem difíceis. As vezes fazíamos sinal da cruz, pra entrar em casa, pedindo a Deus que ele não estivesse de mal humor. E eu dava graças a Deus, se ele tava fora, pq tínhamos paz...Nunca falo disso, sabe? No passado, ficava buscando um pq pra tudo. Perdi um tanto de tempo, agindo assim...

Eu e minha mana não sabíamos de nada, mamãe jamais deixou que, se quer desconfiássemos, do que acontecia por trás da porta do quarto de casal. Violência doméstica é silenciosa, quase sempre. As marcas maiores são internas, imperceptíveis aos olhos de duas crianças. Tinha uns 13 anos, quando passei a enxergar pra valer, pela primeira vez... Descobri tudo por acaso, ouvindo os dois brigando. Entrei no quarto, acho que tinha uns 16 pra 17 anos, não lembro direito dessa fase da minha vida. Sei que entrei e ele ia bater na mamãe, me meti e disse que se ele fizesse isso, chamaria a polícia. Briguei muito, disse coisas horríveis, pq me senti muito traída, por descobrir assim. Antes disso tudo acontecer, tinha meu pai como herói, mesmo ele sendo seco, por não saber demonstrar amor, sempre o admirei muito, pelo homem que ele se mostrava a nós, as filhas. Naquela hora, no quarto deles, meu pai me olhou nos olhos e disse que eu tinha morrido pra ele e que dali em diante esquecesse que tinha um pai. Ele saiu de casa e voltou só mais uma vez, pra buscar as coisas dele e levar quase tudo que tínhamos. Era inverno e ele levou todas cobertas, televisão, vídeo cassete, micro-ondas. Tudo que podia, tirou de casa. Tinha também uma poupança, que seria pros estudos das filhas, levou tudo, tudo mesmo.

Depois de um tempo fizemos terapia familiar e a psicóloga disse que ele deve ter surtado, pq era um homem que trabalhou direto, sem férias, sem parar. Nessas situações, a pessoa perde todo bom senso e faz coisas sem pensar, etc e tal. Só que eu não conseguia ver assim, não. Não conseguia perdoar isso que ele fez, era muita maldade. Minha mãe, como estava com mais de 40 e a mais de 10 anos fora do mercado de trabalho, não conseguiu emprego e nós precisávamos de dinheiro pra comer, tinham contas vencendo. Mamãe começou a fazer faxinas, não que isso seja algo desmerecedor, mas me doía ver minha mãe ter que passar por isso, sabe?!

Com ele “sumido” (pra não cumprir com nenhuma destas responsabilidades), foram dois anos que tivemos de nos virar. Com ajuda das minhas tias, conclui o segundo grau. Bem nessa época, ele voltou e descobrimos que estava muito doente. Não fui vê-lo, pq nunca perdoei. Minha mãe implorava que eu fosse até lá, que devia dar mais uma chance... Eu só conseguia pensar em pq ele tinha feito isso tudo conosco. Tudo me revoltava. Ficava muito brava, ao ver mamãe se importando com ele, depois de tudo. A última imagem que tenho dele, é do dia que dissemos aquelas coisas horríveis. Ele se foi, e nunca mais nos falamos... Fiz muita terapia, mas isso ainda é um problema que tenho, que mexe comigo. Hoje bem menos, já que consigo aceitar algumas coisas. Não é algo que penso todo dia, que fique remoendo, sabe?! Mas é uma coisa que, de certo modo e até contra minha vontade, trava minha vida, pq eu não consigo separar esse fato e meio que me bloqueio, pra um relacionamento, entende? Não me permito gostar muito de alguém. Lá no meu inconsciente ficou isso, que se envolver é sofrer. Não sei como explicar direito, o que sinto... Não sou uma pessoa fechada, nem amargurada, nem triste...Mas tem isso, que fica aqui no coração, as vezes por tempos e tempos adormecido, mas ta alí... E não me deixa em paz, de verdade, pra valer. Mas bola pra frente... Afinal, ninguém é normal, não é verdade???

Já vivi tanta coisa nessa vida. Já tive tudo e depois tive que reaprender a conviver com uma outra realidade. Graças a Deus, minha mãe sempre foi muito pé no chão e nos criou mostrando que, dinheiro não é nada nessa vida, até pq ela não tinha nascido em família rica, bem pelo contrário. Então, cedo comecei a trabalhar também, para ajuda-la. meu primeiro emprego foi numa creche, mas ganhava pouco. Fiquei 4 anos e foi aí que comecei a estudar, queria poder ajudar mais e este seria o melhor modo. O pouco que sobrava, investia estudando. Daí, minha mãe adoeceu, teve um tumor no pâncreas e não tínhamos nenhuma assistência médica. Naquele ano, foi todo dinheiro que tínhamos e que não se tinha, em função da melhora dela. Parei de estudar e voltaria assim que desse. Depois que dona Vanda ficou boa arrumei um emprego de babá . Cuidava de um menino de 5 anos e uma bebezinha, de 20 dias. O menino, ficaria um turno e meio na escola, enquanto eu cuidaria da menina e quando voltasse da aula, o ajudaria com as lições de casa . Ela me ofereceu pouco mais que o dobro daquilo que ganhava, coisa que nem pensei duas vezes, e aceitei. Então, quando vi, era uma babá. As vezes parava pra pensar, em como esse mundo da voltas... Nunca na minha vida imaginei isso.

E o tempo passa voando. Comecei pensando em ficar um pouco e quando vi, entrava ano e saía ano, e eu estava lá. A menina se criou comigo, entrei ela tinha 20 dias e quando vi, já estava com 6 anos. Eles são uma família muito, mas muito boa. Devo muito a eles. Sempre me trataram com muito carinho e respeito. As crianças eu amo demais, não da pra descrever aqui o que sinto por eles. Cada “tia Carol, eu te amo”, vale o que nada paga nesse mundo. Eles já me ajudaram tanto... Meus patrões são médicos e ele foi convidado para trabalhar fora. Então, era hora de me despedir deles, seguir em frente. Foi um início de ano bem difícil, chorei muito nesses dias, mas eu tinha sobrevivido né?! Assim que começasse março, iria procurar algum emprego novo e foi aí que comecei a ficar ruim, com um problema atrás do outro. É como dizem: mente sã, corpo são... Mas e quando o coração está em pedaços, quando nada faz sentido, quando se depara com limitações e tudo que se quer é dormir, um sono eterno? Parecia que havia perdido meus sonhos, como se nada mais fizesse sentido. Não é que não quisesse mudar, mas me perguntava pq faria isso, depois de tudo. Alguém já passou por isso também? Não pensava que fosse forte, nem se quer acreditava em mim... Porém, essas coisas aconteceram para abalar mesmo. Pra nos mostrar o sentido real da palavra fé. Aqui em casa, somos todas espíritas e, depois de me afundar numa depressão, busquei nos ensinamentos de Kardec, uma explicação, uma luz . Deus já me deu tanto puxão de orelha, como se fosse um chamado pra vida. As vezes, penso em tudo que estava perdendo, me colocando comodamente, como “a vítima” da situação. Naquilo que a vida havia reservado, para “pobre coitada” da Carol...

Não contava para ninguém, que era babá. Tinha muita vergonha. Não sei pq, inclusive nunca fui de ter preconceitos, mas aquilo me fazia sentir inferior. Sempre fiz meu trabalho com todo amor deste mundo, entretanto, não conseguia dizer isso assim, sem constrangimento. Sei que era bobagem minha, e sei da importância que meu carinho e dedicação tem na formação dessas crianças, mas tinha vergonha. Acontece que quando eu me vi doente, com o rosto desfigurado, precisando de ajuda pra comer, sem conseguir nem ao menos falar, foi aí que vi a grande idiotice que era eu pensar assim. Pq sabe, não somos NADA nessa vida. Nada mesmo, pq nunca sabemos do dia seguinte e do nada tudo pode mudar. Nesses 6 anos que trabalhei com essa família, fiquei muito acomodada e não busquei tentar correr atrás dos meus sonhos, sei lá. Minha mana, nesse meio tempo, começou a estudar também, ajudava ela a pagar a faculdade. E não me arrependo, não. Sou meio estranha mesmo e nunca tive muitos planos pra mim. As vezes, penso que posso ser feliz com bem pouco, de verdade. Sei que para ela é muito mais importante, um curso superior, qdo para mim era só um algo a mais, já não era mais nenhuma prioridade. Ainda hoje falo para mamãe que um trabalho que me permita pagar minhas contas e viver em paz, é só o que desejo agora, sabe?! Eu só quero saúde, pra buscar ser feliz.

Hoje estou bem, graças a Deus. Voltei a trabalhar com educação infantil, o que me traz imensa felicidade. Meu coração está em paz. A cada dia me sinto mais fortalecida, viva. Isso tem sido a cura, pra mim. Aprendi direitinho, a lição que o cara lá de cima teve a paciência de ensinar, já que aqui a cabeça é duraaaa... hehehe
Não sei o que vem pela frente, mas sei da força que tenho e da fé, em Deus e em mim. Aprendi que não tem saúde nesse pais, para quem depende do SUS, onde nem medicamentos eles dão. Olha, é fogo... Esse povo, cara de pau, ainda quer ganhar voto. Vai pra PQP!!! Descobri que, o amor incondicional de uma mãe, é a força que move o mundo. Sorte a minha, que tenho a melhor de todas. Família é tudo e é ela que estará sempre comigo. Aprendi que quando não estamos muito boa pra falar as coisas, que se faça o silêncio. Os amigos de verdade saberão te ouvir, mesmo assim... Que cada um tem seus problemas. Que os meus não são maiores ou menores que o do outro, e sim, sob medida, para que eu possa resolver. E assim mesmo, sempre estarão por aí... É crescimento... E como eu disse lá em cima: cabe somente a nós, o tempo que levamos para aprender com eles.

Me disseram uma vez, que com o tempo, tudo passa. O amor e as lembranças, que contam nossa história , não devem passar, jamais...



Caroline

2 comentários:

Roberta Saviñon disse...

A sua historia de vida é comovente e involvente. Temos algumas coisas em comum sabe? Espero poder superar e vecer como vc e posso dizer por experiencia q algumas marcas viram feridas q nunca deixam de sangrar. O importante é ter fé em deus e em nós mesmos...
Ah! vou deixar um espacinho no meu gesso p/vc sim ok?
um gde bjo....

disse...

Li teu depoimento agora. Gostaria de te dizer um monte de coisas, mas o tempo, que nem sempre é amigo, me cobra algumas responsas. Então, só pra não perder a oportunidade, quero te dar os parabéns. Por vc ser íntegra, ter superado as dificuldades e continuar lúcida e amorosa.
(Eu tb já fui babá!!! ahahahahah entre outras inúmeras profissões, como maninure e garçonete).

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